terça-feira, 28 de outubro de 2014




Uma questão de privacidade



“Olha lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão”. Canção do Gil, que me veio num sábado à noite, quando vi passar, da janela do antigo sobrado onde morei boa parte da infância, uma das inúmeras procissões do ano em minha cidade. Com aquele cheiro familiar de vela acesa, de igreja antiga, com crianças vestidas de anjo, imagens de santos rodeadas de flores, padre, fiéis e mulheres com véu na cabeça e terço nas mãos. Eu, entre as pessoas que “vivem penando aqui na terra” , de repente estava ali, naqueles passos, que caminhei tantas vezes, fazendo ou cumprindo promessas infantis. Na canção, “as pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas lá do céu”..., e o céu, para aquela menina , era o teto azul da terra, sobre o qual “as coisas” ficavam, como num sótão, de onde me espionavam, os santos e os mortos, com seus olhos que tudo atravessavam, tudo, meu corpo, meus pensamentos, sonhos, desejos, temores, tudo viam, sabiam. Meu Deus, como eu não tinha privacidade!!!

Denise Magalhães

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