Uma questão de privacidade
“Olha lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo
chão”. Canção do Gil, que me veio num sábado à noite, quando vi passar, da
janela do antigo sobrado onde morei boa parte da infância, uma das inúmeras
procissões do ano em minha cidade. Com aquele cheiro familiar de vela acesa, de
igreja antiga, com crianças vestidas de anjo, imagens de santos rodeadas de
flores, padre, fiéis e mulheres com véu na cabeça e terço nas mãos. Eu, entre
as pessoas que “vivem penando aqui na terra” , de repente estava ali, naqueles
passos, que caminhei tantas vezes, fazendo ou cumprindo promessas infantis. Na
canção, “as pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas lá do céu”...,
e o céu, para aquela menina , era o teto azul da terra, sobre o qual “as coisas”
ficavam, como num sótão, de onde me espionavam, os santos e os mortos, com seus
olhos que tudo atravessavam, tudo, meu corpo, meus pensamentos, sonhos,
desejos, temores, tudo viam, sabiam. Meu Deus, como eu não tinha privacidade!!!
Denise Magalhães
Denise Magalhães
Nenhum comentário:
Postar um comentário