sexta-feira, 21 de novembro de 2014



 dor no corpo
 não é no corpo
 é no corpo
tomo palavras
tomo chá
vou deitar


Denise Magalhães





O real se abateu sobre minha casa
Destruiu o telhado, abalou a cumeeira
e fez outras tantas avarias.
Ai de mim
que ainda não me acostumei...

Precisava ser assim?!!!


Denise Magalhães







Escrito sem voz



Pedras de silêncio entraram em minha boca e me tomaram todo o corpo.
Com seu nada, o silêncio se fez borracha,  apagando em mim qualquer vestígio de abertura para a lida social.
Talvez me encaixem em alguma patologia psiquiátrica, psicológica, sociológica, ou queiram palpitar sobre esse acometimento através de algum sistema filosófico.
Isso se alguém, algum dia, se importar comigo.
Se não... melhor!!!
Fico sossegada.
Inundada de silêncio e longe do teatro humano.


Denise Magalhães

quinta-feira, 30 de outubro de 2014



Circunstância


Na varanda dos fundos:

Três pegadores vazios no varal
Os cães descansam sua animalidade
O branco dorme nas paredes
Os girassóis na toalha da mesa
As portas da frente já estão fechadas
E ouço um ruído que se repete
Insuportavelmente...

São os segundos
Falando a mesma coisa de sempre
Daquele relógio amarelo
Que não sabe das horas
Nem dos dias
Nem de si
Não sabe de nada
Nada
O tempo é uma palavra
Muito dolorida
Muito


Denise Magalhães


quarta-feira, 29 de outubro de 2014



Desabrigo


Passarinho indeciso
na porta da gaiola..

Iminências, quases e afins


Denise Magalhães

terça-feira, 28 de outubro de 2014



Carta a um amor que se foi:


Meu querido,

Obrigada por fazer reviver em mim
Todos os amores que tive
E desculpe por amar em você esses amores
Pois que te amo desse jeito
Tosco, envelhecido, acumulado e sem planos
Mas isto não diminui o que sinto por você
Amor doído, tomado por despedidas
Onde não sou mais inteira...
Desculpe por isso
Por esse amor genuíno
Desprovido de horizonte
Sem guarida, cais, ancoragem
Não tenho mais condições...
Desculpe por isso


Denise Magalhães




Cantoria

Caminho o caminho inverso
Daquele cheio de quereres
De horizonte vasto
e estradas sem fim

Caminho o caminho inverso
Com passadas leves
Curvas brandas
e silêncios aceitos

Caminho o caminho inverso
Na canção do agora
     ré
         mi
             fá   
                 só
Sim.



Denise Magalhães



Uma questão de privacidade



“Olha lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão”. Canção do Gil, que me veio num sábado à noite, quando vi passar, da janela do antigo sobrado onde morei boa parte da infância, uma das inúmeras procissões do ano em minha cidade. Com aquele cheiro familiar de vela acesa, de igreja antiga, com crianças vestidas de anjo, imagens de santos rodeadas de flores, padre, fiéis e mulheres com véu na cabeça e terço nas mãos. Eu, entre as pessoas que “vivem penando aqui na terra” , de repente estava ali, naqueles passos, que caminhei tantas vezes, fazendo ou cumprindo promessas infantis. Na canção, “as pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas lá do céu”..., e o céu, para aquela menina , era o teto azul da terra, sobre o qual “as coisas” ficavam, como num sótão, de onde me espionavam, os santos e os mortos, com seus olhos que tudo atravessavam, tudo, meu corpo, meus pensamentos, sonhos, desejos, temores, tudo viam, sabiam. Meu Deus, como eu não tinha privacidade!!!

Denise Magalhães

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O eremita


Assim como
o leito ressequido do rio
aguarda entre rachaduras
a água fugidia de seu nascedouro

O olhos áridos
vigiam entre miragens
o nascedouro estéril das vontades

Mas o leito permanece leito
no deserto de sua doação

Assim também
haveremos de caminhar
com os ossos enrijecidos
com os pés queimando em brasa
sobre o deserto das horas cotidianas
e sem nenhuma lágrima.

D.J.
Tristeza não é antônimo de alegria
não existe esta antítese
apesar das regras gramaticais

Na vida, vivida, cotidianamente
o antônimo da alegria
se chama resistência
ou insistência.

D.J.