domingo, 25 de dezembro de 2011

Tatuagem:

O torpor e o delírio de sentir a carne sendo ferida, desenhada, escrita, marcada, pelas mãos de outro, consentido, solicitado, como autor, testemunha, algoz e cúmplice. Há que oferecer o sangue, não em sacrifício, mas em prazer, no cálice da vida.

Denise Magalhães
Serenidade

uma luz me acorda
uma rua me acolhe
um olhar me adormece
aquecida
esquecida...
Tudo está rio
ao meu redor.

Denise Magalhães

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Cura

(Para meus filhos)

Preciso chorar uma noite inteira para o sol raiar
No idioma jamais conhecido, rezar
Para Deus me ouvir na imensidão do universo.
Correr muito, abrir as portas, pintar a parede, enfeitar,
Colorir, me esticar e dar muita risada
Por estar viva
Por amar e me sentir amada
infinitamente
Na simplicidade dos dias
E do olhar.

Denise Magalhães

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

DEGRAUS

Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florescem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver
Serenos transpunhamos o espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar;
Sermos corrente ou parada não quer o espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Apenas nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.
Talvez também a hora da morte
Nos lance, jovens, para novos espaços,
O apelo da Vida nunca tem fim ...
Vamos, Coração, despede-te e cura-te!


Hermann Hesse (1877-1962), Alemanha
in "O jogo das contas de vidro", trad. de Carlos Leite

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Álibe


A vida,
bem que desfolha jeito
na solidão:
faz se ser
abre chão.
Mas se engane não.
A solidão,
é coisa de gente doida:
se aprende o grito ao contrário
engabela o medo
fala pra dentro
conversa calado
escolhe consigo
e se alegra de si.
Sem testemunha.

Denise Magalhães

domingo, 28 de agosto de 2011


































O Rapto de Prosérpina, é uma escultura de Gian Lorenzo Bernini, 1621-22, que se encontra na Galleria Borghese, em Roma. Na mitologia grega corresponderia ao rapto de Perséfone por Hades (para os romanos, Plutão).






Resistência

Não vivo pra dizer flores
Não vim aqui pra isso
Meu canto vem do inferno
Aprendo a foice pelo caminho
E meu grito não é de dor
É de fome

Denise Magalhães



Duração


Cantigas de roda amedrontam o sono
O giro do tempo atordoa o juízo
Afiadas espadas de gelo
Moram no meu corpo

Olho a coisa não vista
Morro sempre ontem
E uma armação esquisita
ainda insiste em dizer eu.


Denise Magalhães
Re-união


Não, os dias não nos dizem muitas coisas
A noite sim, é uma senhora conversadeira
Antigo e sábio é o seu dizer

Podemos escutá-lo na sombra da terra
Quando ela espalha seu domínio pelo céu
reluzindo dignidade

Então, mais mortal do que nunca
Recolho-me devota ao seu redor
E em silêncio ouço
A voz da minha escuridão.

Denise Magalhães

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Do Nada



Estou muda de mim

O tempo chove na minha boca

Tem planta querendo nascer

Nos meus pés caminham vozes

Os cães pedem qualquer coisa

Tem noite que vejo vagalumes

O coração vem lá do meu início

Meu rosto está ocupado

Tem palavra no escuro

Solta um cheiro de jasmim


Denise Magalhães

sábado, 9 de julho de 2011

Da Coragem

Do Circo

O pensamento oco de palavras
O olho não vê mais o que ver
O corpo ganhou não
Uma folha seca vôou
pra não sei onde
O sumiço de não sei o que.

Denise Magalhães

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A morada.

Não existe algo que me remeta mais a mim do que esta cidade.
Do jeito que ela é: bela, caótica, suja e limpa, triste e alegre, repleta de estranhos.
Essas velhas paredes do meu minúsculo apartamento, sou eu;
com as reformas sofridas, camadas sobrepostas de tintas, janelas por trocar...
E essa porta de entrada, me sabe de tantas maneiras, e mesmo assim sempre se abre pra mim.
Esse chão, silenciosamente branco, me acaricia os pés, tão cansados da caminhada da vida.
O pequeno corredor, por onde passo há anos, percorre cuidadoso, todo o meu corpo.
Não sou eu quem escuta o som dessa velha geladeira, é ela quem me escuta, pacientemente.
Esses vãos ouviram compreensivos, o choro e o riso de minhas crianças, e o de minha criança.

Trocam-se os móveis, muda-se a arrumação, revesa-se de quarto, amanhece e anoitece.
Hoje somos eu e essa habitação, que não mais habito, apenas visito, mas que habita em mim.

Denise Magalhães

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Carta do Silêncio




Hoje comprei duas lindas flores de cerâmica, uma amarela, outra vermelha, e pus na entrada da minha casa. Minha casa merece flores. Pois é, deu uma vontade danada de florir minha casa, colorir. Lavei a varanda, dei banho nos cães, limpei a casa. Limpei. Arrumei. Lavei. Flori. As casas são assim, mudas, mas bem que sabem dizer, quando cuidadas, arrumadas. Apropriadas. Está dando uma vontade danada de ser minha casa.

Vertiginosamente,

Denise M.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Assombração

De tardezinha
Passarinhou no meu quintal
O céu, da canseira do dia
Já queria anoitecer

Sozinha
Lá, no desencanto do muro
Meu coração, de tão miudinho
Sumiu,
no derradeiro vão do peito.

Ainda pude ouvir
O último bem-te-vi
O último bem
Do fim do canto.

Lá, no precipício de mim
Os olhinhos de um passarinho
Passarinhando
em silêncio
assombrado.

Anoiteceu.

Denise Magalhães


sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dessaber


Danação de água
derrubando o céu

Me acordo lá pras tantas soluçando

Dói uma saudade comprida...
e nem sei do quê
Cava um poço fundo...
vai saber

É tanto buraco na alma
Tanto canto escuro
que nem palavra se vê

De vez em quando vaza.

Carece de explicação não
Vai que é maneira da estação

Me deixe quieta
Vosmicê.


Denise Magalhães

sexta-feira, 25 de março de 2011

domingo, 6 de março de 2011

Constatação


As coisas são de sim
Não há que se opor

O tempo pede silêncio

Desaprendo o céu em bando

A solidão é cheia de dentes.


Denise Magalhães
Nuvem


A terra gira de cansar
Quase adoeço

O batente da casa
é lugar de ser

O vento que assanha
A torneira que pinga
O sol nesse sobe e desce

Vou me calando

Nunca vi tantos gafanhotos.


Denise Magalhães