domingo, 30 de setembro de 2012


Fôlego
 
Grito todas as manhãs
Pra alcançar o chão nos pés da cama
Pra pendurar as folhas secas nas janelas
Pra desenhar milhões de letras no juízo
Pra varrer a poeira escura do coração
E sumir na floresta do sono
Quando a noite chegar
Com o seu grito.
 
Denise Magalhães

Amor 1
              Para Aliucha
Eis que tenho um sol
Um céu azul a perder de vista
Uma árvore que me sombreia
E um horizonte fiel
Para onde sempre vou
e que sempre vem pra mim
Com suas mãos firmes e delicadas
Que há tempos seguro, misteriosamente
E que um dia, pequeninas, ensinei a contar.
 
Denise Magalhães

 

 

domingo, 23 de setembro de 2012

Do provisório

Não gosto do provisório. As coisas provisórias trazem em si o gosto do não ser, já sabemos, de antemão, que não ficarão por muito tempo. Uma vez disse a alguém que eu era conservadora, digo no sentido genuíno desta palavra e no que se refere estritamente à minha vida. Gosto de conservar. Conservar amigos, o amor, a moradia, as lembranças, as coisas boas, e situações de conforto.  Compreendo e sei racionalmente que, em certa medida, esse é um projeto falido: ser conservadora.  Contudo, não sei me entregar ao provisório, ele me cheira ao não confiável,  é permeado do vazio, já se evapora e não consigo segurar em suas mãos.  Só sei me entregar ao que, pelo menos, se apresente com a promessa do estável,  do que pretende perdurar, criar raízes, ter história, se de-morar, mesmo que um dia se vá. As coisas e situações que já pretendem se instalar desde sempre como provisórias, têm cheiro do descartável, dessas coisas da moda, de prato e copo de aniversário, do que se usa apenas convenientemente e logo não se precisa mais, joga-se fora. Ou então coisa de baixa qualidade, que logo vai quebrar, dar defeito, enfim...  O provisório desde sempre não quer vínculo, laços, caminho, estrada, memória, verdade. Tem gosto do passageiro, impermanente, instável, sem consistência, prestes a sumir, desaparecer. Mesmo nós somos provisórios, bem sei, a qualquer momento já não seremos, não existiremos, vem a morte. Mas na vida a promessa do estável nos traz um gosto de duração, tranquilidade, segurança, paz e permite planos.  Paz tem esse gosto de comunhão com o absoluto do tempo, com o universo, com a própria vida.  O diacho é que, depois de tantas promessas descumpridas do estável e tantos atropelos do provisório não mais acredito em nada. E a vida segue assim, sem premissas, como deve ser. Quem sabe?...
Denise Magalhães


Afogamento

Mora em mim uma antiga saudade
Não tem procedência, tempo de vida,
 direção ou destino.
Sem qualquer aviso
Pedido de permissão
Fez de meu corpo seu leito perene
Profundo e estreito rio
Saído do início dos tempos
a passar, a passar, a passar
e a passar.
 
Denise Magalhães

quarta-feira, 12 de setembro de 2012


Amor 1
             Para Enrico

O homem nunca foi pra lua
A desistência do entendimento
O esgotamento de tanta palavra
A aprendição do tempo das coisas
O sorriso do meu menino
E as estrelas  do céu
que ele traz pra mim.


Denise Magalhães

Cantiga de roda
 
Ciranda, cirandinha, cirandando
o dizer das folhas que caem
o gosto oco do humano
socorre-me  uma brisa suave
bordada na colcha engomada
ou nos olhos da boneca de pano

Ciranda, cirandinha, cirandou
pois que fiz uma boneca de pano
pernas, tronco, mãos e braços
tão perfeita quase andou
estofo de algodão, lábios contentes
cabelo de lã, vestido de flor

Ciranda, cirandinha, cirandar
na casinha ela foi morar
com a brisa presa nos olhos
não podia respirar
 
Denise Magalhães