terça-feira, 24 de abril de 2012

"OS PERFUMES DA TERRA


Já falei do perfume do jasmim?já falei do cheiro do mar. A terra é perfumada. E eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. E como toda arte, exige algum conhecimento de si própria. Uso um perfume cujo nome não digo: é meu, sou eu. Duas amigas já me perguntaram o nome, eu disse, elas compraram. E deram-me de volta: simplesmente não eram elas. Não digo o nome também por segredo: é bom perfumar-se em segredo."


 Lispector,Clarice.A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984,p.188.

domingo, 8 de abril de 2012

Na varanda dos fundos:

Três prendedores vazios no varal
Os cães descansam sua animalidade
O branco dorme nas paredes
Os girassóis na toalha da mesa
As portas da frente já estão fechadas
Ouço um ruído que se repete
Insuportavelmente
São os segundos
Falando a mesma coisa de sempre
Do relógio amarelo
Que não sabe das horas
Nem dos dias
Nem de si
Não sabe de nada
Nada
O tempo não passa de
uma palavra
muito dolorida, muito
- Acabou o dia
Aborrecida, aviso ao relógio
Que não me ouve.


Denise Magalhães

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Jeanne Hébuterne, “Portrait de la mère”.

Indizeres

Não que ele diga o que peço
Nem que faça o que espero
Não que eu queira esperar algo
Nem que a felicidade me atinja
Em algum olhar desprevenido
Não que acredite nisso tudo
Nem que o real se mostre de repente
Não que a escuridão nos abandone algum dia
Nem que a casa se levante novamente
Não que isso deva acontecer
Ou qualquer coisa de verdade
Ou a verdade
Nem assim morrerei na
hora marcada
É que o humano não se explicita
E tenho sonhos incuráveis
Sem dó.



Denise Magalhães