Gosto de andar depois da meia noite sobre o piso branco do apartamento alto, bem longe do chão. É nesta hora que eu mais flutuo e onde mais me encontro. É nesses quadrados brancos que desenho com meus passos e gestos o que sou, sendo, por enquanto, até ali, onde o sono me toma. Nesta hora dúbia fica tudo mais visível, principalmente se choveu muito, pois a chuva costuma deixar tudo mais nítido, como a mim mesma. Assim, nesta hora, meu ser se arrisca a um certo delineamento, mesmo que provisório. Bebo o que posso desse lugar, à meia noite, no meio da casa, num meio já, que sempre já é outro; que é meio e ao mesmo tempo de uma inteireza transbordante do que sou eu, ou não eu. Assim, imersa nessa solidão povoada pelo canto nostálgico de inúmeros grilos, agradeço a tudo e reverencio a vida.
Nessas horas, onde parece que tudo se distancia, posso enfim me alcançar. Vir de lá, onde as ocupações me encobrem e faço tudo o que deve ser feito, espiando em silêncio, aguardando a hora para estar nesse lugar, de mim.
Os cães latem de lá do fundo da madrugada. As palavras pululam no meu peito. Descubro minha pele e escorro pelos cantos de mim mesma. Nenhuma dor. Silêncio!
Denise Magalhães
3 comentários:
Denise, a solidão da/na casa ensina,é aí que transbordamos,texto tocante, abraço.
Belo texto. Grande abraço e vida longa!
lindo!!!
com todo o significado da palavra!!!
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